Flávio Augusto Mezadri Pizzol’s review published on Letterboxd:
A Família Addams já marcou a vida de muita gente desde a criação das tirinhas de Charles Addams na década de 30. Um movimento que pode ser facilmente explicado pela evolução deste conceito que saiu das páginas da revista The New Yorker para ganhar inúmeras mídias com o passar do anos, incluindo desenhos, peças musicais e os filmes que milhares de brasileiros com vinte e pouco anos assistiram mais de uma vez na Sessão da Tarde. Agora, depois de algum tempo adormecidos, chegou o momento de uma nova repaginação transformar Gomez, Morticia e seus familiares monstruosos em animação.
O novo longa começa com um prelúdio de origem, mas realmente foca suas atenções no "embate ideológico" que toma conta de New Jersey quando uma famoso programa de televisão constrói um bairro supostamente perfeito no terreno ao lado do hospício invadido pela família Addams. Enquanto nossos queridos monstros enxergam isso como uma chance de conviver com outras pessoas ou sair da mesmice diária, a designer responsável pelo projeto transforma seus vizinhos em inimigos por conta de suas atitudes fora do padrão.
Todo mundo sabe que muita gente queria uma nova produção filme em live action graças a proximidade visual entre Gomez Addams e seu novo dublador original, Oscar Isaac (Operação Fronteira), no entanto a escolha do formato animado é facilmente justificável pelo preço que uma versão "com pessoas" custaria. O conceito fantástico e as soluções mirabolantes que preenchem a casa dos protagonistas exigiriam um blockbuster que a nostalgia dos fãs de 1991 poderia não pagar. E aí, nesse caso, a animação funciona como um palco perfeito para se extrapolar o que foi feito nos longas anteriores, testando escolhas estéticas e conquistando públicos ainda mais amplos.
Dessa forma, o grande trunfo de A Família Addams acaba surgindo na maneira como o visual aproveita o formato para fugir das soluções comuns em termos de design. O traço do desenho mantém o aspecto caricatural das tirinhas sem deixar a modernização de lado, as sequências de ação ganham um pouquinho de agilidade e o humor mórbido inerente ao material original se destaca através de sacadas visuais que não teriam a mesma "vivacidade" em um live action. É impressionante ver como os detalhes da casa, as brincadeiras violentas dos irmãos e certos personagens, como a Mãozinha e o Tropeço, caem como uma luva na proposta e, apesar da suavização de alguns tiques mais grotescos, crescem em importância no todo.
O roteiro, por outro lado, não funciona de forma tão alinhada e deixa algumas dúvidas quando se trata de suas principais escolhas narrativas. A Vandinha, por exemplo, não funciona dentro do núcleo escolar, ainda que seu tom melancólico seja bastante assertivo. Entretanto, esses acertos pontuais na personalidade dos protagonistas não mudam o fato de que insistir exaustivamente nos mesmos problemas resulta em uma produção sem ritmo e deslocada que parece se perder mais e mais a cada quebra narrativa.
Para a sorte do espectador perdido, a salvação - parcial - do texto escrito pelo quase novato Matt Lieberman (Crônicas de Natal) chega através de um timing cômico que aproveita as oportunidades da melhor maneira possível, abraçando tanto as referências ao longa da década de 90 quanto momentos que tiram sarro do gênero como um todo. Um pacote completo que inclui, acertadamente, boas doses de humor físico, muitas piadas autorreferenciais, algumas sacadas que usam os costumes dos monstros como combustível e uma sequência com um balão que só não arranca mais gargalhadas por estar em todos os trailers.
Inclusive, esse alívio cômico bem posicionado também cumpre sua função como "cola" na hora de amarrar as pontas e dar corpo aos ensinamentos sobre a importância de respeitar as diferenças sejam elas quais forem. Isso faz com que, no final das contas, a nova versão de A Família Addams arranque algumas risadas mórbidas e cumpra sua promessa de honrar todo o material prévio com uma lição essencial para as crianças de hoje em dia. É sim bastante previsível e consideravelmente inferior ao que vem sendo apresentado pelas animações nos últimos anos, mas tem potencial para conquistar os adultos pela nostalgia (ou pela bizarrice) enquanto alcança um público novo para a família de monstros mais amada da sétima arte.