Poio’s review published on Letterboxd:
Um típico jovem-adulto americano (um Ikea Guy), com o clássico emprego de trabalhador de escritório, vive inquieto, stressado e cheio de insónias até que conhece Tyler Durden, um "fabricante de sabão" com quem cria um clube secreto de combate subterrâneo.
Ao escrever esta espécie análise do filme começo logo por romper com a primeira regra do Clube de Combate, "Ninguém fala do Fight Club". Mas se há coisa que este filme me ensinou foi que a vida não é "vida" se não fugirmos às regras e se não arriscarmos, caso contrário, tornava-me noutro Ikea Guy.
A realização apresenta traços característicos do David Fincher, a típica realização que, de certa forma, é psicadélica, estranha e peculiar mas que nunca deixou de agradar ao grande público (até mais ao público do que à crítica).
Falar da realização deste Fight Club é impossível sem falar da incrível escrita de Chuck Palahniuk (autor do livro). O Fincher, é para mim, o realizador perfeito para este género de obras. O objetivo da escrita é, fundamentalmente, criticar a sociedade contemporânea: uma sociedade feminina onde qualquer diferença no quotidiano é olhada de lado, uma sociedade onde as mulheres se tornaram o "sexo forte" na medida em que têm sempre razão e é crime um homem virar-se a elas, uma sociedade onde as pessoas (como o nosso protagonista) estão completamente agarradas à televisão, à publicidade e onde as pessoas são ensinadas a viver pelo que os outros querem que estas pessoas façam e não por aquilo que realmente desejam fazer, mas o Fight Club ensina-nos, "esta é a tua vida e está a acabar, um minuto de cada vez.". Nesse sentido, FIght Club tem ideais profundamente Niilistas, não há finalidades e não devemos procurar responder ao "porquê" do que fazemos, mas simplesmente fazer o que nos apetece a qualquer hora (sem interferir com as liberdades dos outros).
É por todas estas razões que foi criado um Clube de Combate: os homens juntam-se, clandestinamente, com o único objetivo de andar à pancada (sem quês nem porquês). No entanto, esta "pancada" significa muito mais do que realmente aparenta, andar à pancada é o ato mais "másculo" que existe e, temos que admitir, todos nós (homens) temos a necessidade de gastar todas as nossas energias e libertar tudo o que temos numa luta de vez em quando. Sabe bem... É por ser um ato tão masculino que estes homens estão a fugir a uma sociedade cada vez mais feminina. Este Clube de Combate é um Clube destinado a combater a depressão, combater a escravatura e a ilusão de liberdade que a sociedade realmente é. "Meu, eu vejo no Fight Club os homens mais inteligentes e mais fortes que já viveram. Eu vejo todo este potencial mas ao mesmo tempo vejo desperdício. Porra, uma geração inteira a servir às mesas, escravos com coleira. A publicidade pôs-nos atrás de carros e roupa, pôs-nos a trabalhar em empregos de merda para que possamos comprar coisas que nem sequer precisamos. Nós somos os adolescentes da nossa história, meu. Não devia haver propósitos nem lugares. Nós não temos nenhuma Grande Guerra. Nenhuma Grande Depressão. A nossa Grande Guerra é a Guerra Espiritual... A nossa Grande Depressão é a nossa vida. Fomos todos criados pela televisão para acreditarmos que um dia vamos ser milionários, estrelas de cinema e estrelas de rock. Mas não vamos. E estamos, lentamente, a apercebermos-nos disso. E estamos completamente passados." É, mais uma vez, uma gigante crítica ao consumismo, onde "as coisas que possuímos acabam por nos possuir a nós".
Para além da crítica, a escrita não nos traz uma grande história, apenas uma história capaz de atrair qualquer homem à atenção (sendo o sexo masculino o público alvo) onde as únicas raparigas que acabam por gostar dela são aquelas com os standards morais similares aos dos homens (mas acabam todas por se apaixonar pela vertente crítica). No entanto, a história acaba por relevar uns twists inesperados bem conseguidos que tornam Fight Club o filme psicadélico que é e, ainda assim, acessível. Outro aspeto importante da escrita foi a capacidade do autor criar personagens tão boas como as do nosso protagonista, do Tyler Durden, Marla Singer e a do Bob representadas por ainda melhores atores onde Edward Norton, Brad Pitt e a Helena Bonham Carter desempenham um dos melhores papéis das carreiras deles) e ainda um surpreendente Meat Loaf (para além de ser considerado um dos melhores cantores de sempre, passa agora a ser considerado um bom ator).
Para acabar o filme, nada melhor que o Edward Norton de mãos dadas com a Helena Bonham Carter ao som da Where Is My Mind dos Pixies juntando assim duas obras primas absolutas em campos separados da arte, onde tanto a música como o filme foram obras de arte que marcaram as pessoas com "bom gosto" destas últimas gerações.
"Tu não és o teu trabalho. Tu não és a quantidade de dinheiro que tens no banco. Tu não és o carro que conduzes. Tu não és o conteúdo da tua carteira. Tu não és a porcaria do teu par de calças. Tu és a porcaria do mundo que dança e canta."