urielbarrote’s review published on Letterboxd:
Como de praxe em diversas obras cinematográficas que falam sobre o próprio cinema, Mank trata a fundo o processo criativo do autor. Discutindo menos sobre como contar uma estória e mais sobre qual narrativa transmitir.
Ao assistir um filme sobre filme, é impossível não fazer comparações à outras obras de mesma linha, como 8½ e Day For Night. E Mank tem algo muito particular em relação à esses grandes clássicos. Fellini buscava explorar conflitos internos de seu protagonista e como eles influenciavam a sua obra, enquanto Truffaut abordava os conflitos que o próprio cinema cria e seus reflexos na vida "real", da vida que imita a arte. Já Fincher busca um caminho mais pé no chão, tratando do cinema como uma arte que imita a vida. Intercalando o processo criativo de Mankiewicz com experiências passadas que influenciam a sua escrita, o diretor não busca glamourizar a vida de Hollywood, mas sim denunciar uma elite empresarial que viu no cinema uma forma de criar mentiras a benefício próprio.
A intenção do discurso é promissora, mas algumas escolhas estéticas acabam por colocar o filme em outro contexto. Se Fincher buscava criticar a indústria cinematográfica e toda a conjuntura que serve à burguesia e seus interesses, a estética naturalista do filme combinada à alguns elementos formalistas tiram todo o seu potencial discursivo. É, no mínimo, contraditório e pretensioso querer denunciar toda a cadeia de produção de Hollywood enquanto o próprio diretor cria todo um espetáculo em cima de alcoolismo e suicídio. Embora os flashbacks funcionem de forma muito semelhante à estrutura de Cidadão Kane e o processo de montar um quebra cabeças seja divertido, o filme ganha ares um tanto quanto prepotentes.
Entretanto, tomando uma postura menos crítica e mais contemplativa, Mank ainda funciona de forma eficiente. Alterna bem entre o passado e presente de forma à não desgastar os contextos e possui uma montagem certeira e eficiente. Fincher emula muito bem as suas cenas à lá Orson Welles, variando entre planos detalhe e abertos, e também um tanto quanto hitchockiano em alguns momentos - a montagem intelectual da noite de eleições me parece uma clara referência à Downhill (1927). Assim como o protagonista de Alfred Hitchcock, Herman Mankiewicz também está em uma decadência profunda, e a sobreposição de imagens, à primeira vista, desconexas é uma síntese perfeita dos sentimentos do personagem.
As escolhas de Gary Oldman e Lily Collins para os papeis de Mank e Rita também foram uma escolha muito precisa. A relação dos dois, embora fria, funciona perfeitamente para dar ares tanto melancólicos quanto esperançosos para a obra. Enquanto Mank é um homem de pouca empatia, Rita dá uma leveza à relação dos dois com toda a sua inocência e calma.
Jack Fincher, com toda certeza, tinha habilidade para a escrita. Gosto muito da forma com a qual os seus diálogos são construídos e cheios de frases marcantes.
If only I had more time, I would have written a shorter letter.